Das poucas coisas que admito reclamar dessa cidade, a principal talvez seja o quanto o terreno é plano. São retas. Retas e só. Que me perdoem a frescura, mas nunca me dei muito bem com a ausência de altos e baixos. Caminhar por aqui não cansa, não exige maiores esforços e te deixa sempre ver onde vai chegar. Não há, de certa forma, aquele mistério gostoso de não saber se há uma descida muito íngreme e recompensadora após aquela subida em que se tem até que descer da bicicleta e empurrá-la. – Mas as esquinas sempre podem surpreender, e nisso eu prefiro acreditar.
No mais, Pelotas me mostrou que eu não preciso de um lar. Nenhum lugar que, a princípio, pareça me oferecer conforto e segurança, mas que não consigo não ver como uma caixinha me isolando das sensações que a rua, e só a rua pode dar.
“É a sensação de estar em lugar nenhum que faz os perdidos sentirem-se em casa”.
Não sou radical a ponto de fazer de lugar nenhum o meu lar, pois aceito abrigos; as rodinhas de camaradas comunistas, os corredores empoeirados da biblioteca, os abraços de braços curtos e cheios de roupas que amenizam esse vento cortante dos pampas, as mesas de bar, a praça envolta de cães que (pra minha felicidade, me faz sentir como um deles), as noites rock ‘n’ roll, e também as noites entre pernas. Todas as pessoas, todos os lugares, todos os produtos podem ser minha casa, meu abrigo. Esses rostos estranhos, essas gurias charmosas, esses guris efusivos, esses revolucionários, eles oferecem o prazer, o tesão que vaga ardente pelas ruas, sem endereço e sem documentos. E eu que não vou hesitar em procurá-lo.
1 Falaram mais sobre isso:
seus textos ainda exalam um certo sopro de vida, um certo porre de humanidade que faz sentir um gosto de vida na boca. Sei lá se era isso que queria dizer, mas não existem as palavras certas.
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